Isadora Bispo dos Santos é atriz, produtora cultural, advogada e integrante do Movimento Negro Unificado (MNU). Nascida em Sergipe, ela tem boas lembranças dos pais, Erivaldo Santos, Ivana Bispo, dos irmãos, Rafael e Erivaldo Júnior, do segundo pai na religião, o Babalorixá Reginaldo Flores Ogum Torikpe, e de tantas outras pessoas com quem conviveu na Bahia, por onde passou. Ao chegar em Santa Maria, Isadora foi acolhida pelo militante Nei D'Ogum, que se tornou uma referência. Na entrevista, a CEO da Pondá Assessoria e Gestora de projetos do Aradudu conta um pouco sobre sua trajetória.
Foto: Juventude Afonjá (2007)
Diário- Para além da criação na militância, o que mais agregou na construção da luta enquanto mulher negra?
Isadora - Eu sempre digo que nasci em Sergipe, mas na Bahia, eu fui busca arrego e compasso. Lá, no Terreiro de Ilê Axé Opô Afonjá da Ialorixá Mãe Stella de Oxóssi (falecida em 2018), eu aprendi outras questões mais ligadas a minha ancestralidade. E com isso, vem todo um contexto religioso no Candomblé, no qual sou iniciada. Nesse espaço, aprendi quais são minhas origens, de onde vem o povo de Ketu, o que é viver em comunidade e o que é o respeito a nossa ancestralidade. Além de Mãe Stella, eu tive a oportunidade de conviver com Mestre Didi (falecido em 2013), que me contou sobre nossos ancestrais, o porquê devemos reverenciá-los, e sobre a nossa relação enquanto povo negro com a morte. Ele me mostrou esse panorama todo e me fortaleceu. Essa é a minha base e falo principalmente das mulheres negras, que me deixaram muito mais fortes. E como diria Nei D'Oxum, com alta autoestima.
style="width: 387.525px; float: left; height: 290.859px;" data-filename="retriever">Diário - Falando nele, vocês trabalharam pela cultura e arte em Santa Maria um ao lado do outro. Em que ano e como conheceu Nei D'Ogum?
Isadora - É bem difícil. Quando você coloca duas pessoas no mundo, precisa pensar em formas de transformar aquele mundo para que essas pessoas vivam bem. O ápice do amor humano é a maternidade, pelo menos para mim. Eu sou mãe de duas meninas negras. E ambas, eu ensino desde pequenas como elas precisam se portar nesse mundo. A minha filha de nove anos, quando estava assistindo a uma notícia, sobre a morte do João Alberto, olhou para mim e perguntou: "Mãe, isso não fazem com crianças, né?". Foi uma pergunta dolorosa e me mostrou o tamanho da responsabilidade de uma mãe preta. Se uma mãe não-negra tem a responsabilidade de botar e criar um filho no mundo, a mãe preta tem cinco vezes mais. Porque, ela tem que mostrar para o seu filho onde ele deve andar. Ela precisa dizer para ele não se envolver em confusão. Ser uma mãe negra é um grande desafio e que não é leve. Mas, mesmo assim, busco deixar um legado de ancestralidade para elas de todo o percurso de resistência do nosso povo. E é lindo ver elas me acompanhando nos movimentos.
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Isadora - Eu aprendi dentro do terreiro com Mãe Cantu (falecida em 2004), que "cantiga que menino canta, gente grande já cantou". Lembro-me de um ensinamento de Mãe Stella. Um mito africano. Na dança do orixá Oxóssi, ele anda com um cavalo. Em determinado momento, ele para e dá uma volta, olhando para trás. Por que um caçador olharia para trás? Às vezes, o caçador cansa. Às vezes, ele fica procurando motivos para seguir em frente. E quando ele para e olha para trás, ele enxerga toda a sua história, toda a ancestralidade dele, lembrando que é necessário continuar. Então, eu digo para todos os jovens e, principalmente, para as mulheres pretas, que não baixem a cabeça, porque a nossa ancestralidade não nos permite parar. Nós devemos continuar, porque podemos e merecemos.
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