Entrevista

Com a palavra: Isadora Bispo dos Santos

Arianne Lima

data-filename="retriever" style="width: 100%;">

Isadora Bispo dos Santos é atriz, produtora cultural, advogada e integrante do Movimento Negro Unificado (MNU). Nascida em Sergipe, ela tem boas lembranças dos pais, Erivaldo Santos, Ivana Bispo, dos irmãos, Rafael e Erivaldo Júnior, do segundo pai na religião, o Babalorixá Reginaldo Flores Ogum Torikpe, e de tantas outras pessoas com quem conviveu na Bahia, por onde passou. Ao chegar em Santa Maria, Isadora foi acolhida pelo militante Nei D'Ogum, que se tornou uma referência. Na entrevista, a CEO da Pondá Assessoria e Gestora de projetos do Aradudu conta um pouco sobre sua trajetória.

Diário - Quais lembranças você tem da infância?
Isadora - Minha infância foi bem intensa, de brincar na rua, de molecagem, mas também pautada por grandes responsabilidades. Seguia meus pais nos movimentos sociais. Eles estavam envolvidos no movimento negro e sindicais, lutando pelos direitos deles. Desde que nasci, fui embalada nesse contexto de lutas por reparações. Cresci acompanhando os movimentos nos blocos afros e a organização do próprio movimento negro no contexto de Sergipe e Bahia. Meu pai trabalhou na Petrobras. E como sindicalista, ele frenteava esse movimento. Então, minha infância teve momentos normais, mas também os de uma criança negra que olhava o mundo com um olhar de cuidado e proteção própria.
data-filename="retriever" style="width: 100%;">

Foto: Juventude Afonjá (2007)

Diário- Para além da criação na militância, o que mais agregou na construção da luta enquanto mulher negra?

Isadora - Eu sempre digo que nasci em Sergipe, mas na Bahia, eu fui busca arrego e compasso. Lá, no Terreiro de Ilê Axé Opô Afonjá da Ialorixá Mãe Stella de Oxóssi (falecida em 2018), eu aprendi outras questões mais ligadas a minha ancestralidade. E com isso, vem todo um contexto religioso no Candomblé, no qual sou iniciada. Nesse espaço, aprendi quais são minhas origens, de onde vem o povo de Ketu, o que é viver em comunidade e o que é o respeito a nossa ancestralidade. Além de Mãe Stella, eu tive a oportunidade de conviver com Mestre Didi (falecido em 2013), que me contou sobre nossos ancestrais, o porquê devemos reverenciá-los, e sobre a nossa relação enquanto povo negro com a morte. Ele me mostrou esse panorama todo e me fortaleceu. Essa é a minha base e falo principalmente das mulheres negras, que me deixaram muito mais fortes. E como diria Nei D'Oxum, com alta autoestima.

style="width: 387.525px; float: left; height: 290.859px;" data-filename="retriever">Diário - Falando nele, vocês trabalharam pela cultura e arte em Santa Maria um ao lado do outro. Em que ano e como conheceu Nei D'Ogum?

Isadora - Em 2005, ocorreram encontros voltados à Conferência Nacional da Promoção da Igualdade Racial. Lá, encontrei Nei D'Ogum (falecido em 2017) e outras lideranças do movimento. Nei, que todo mundo que conhecia se apaixonava, falou de Santa Maria. E eu não imaginava que viria para cá. Anos depois, em 2008, eu me casei com um gaúcho, de São Sepé. Nei D'Ogum falou sobre alguns projetos que já estavam sendo realizados, sobre a candidatura dele e me convidou para ajudá-lo. No final de 2015, eu vim para Santa Maria para contribuir com a campanha eleitoral dele e eu permaneci. Minha filha começou a estudar na faculdade. A outra no Ipê Amarelo. E eu me aproximava do termino da faculdade de Direito, para começar o mestrado. Logo, fui me envolvendo com os movimentos, os grupos e associações daqui.

Diário - Sobre as filhas Branca Rosa e Cecilia. Como é essa missão de maternar com consciência sobre a realidade lá fora?

Isadora - É bem difícil. Quando você coloca duas pessoas no mundo, precisa pensar em formas de transformar aquele mundo para que essas pessoas vivam bem. O ápice do amor humano é a maternidade, pelo menos para mim. Eu sou mãe de duas meninas negras. E ambas, eu ensino desde pequenas como elas precisam se portar nesse mundo. A minha filha de nove anos, quando estava assistindo a uma notícia, sobre a morte do João Alberto, olhou para mim e perguntou: "Mãe, isso não fazem com crianças, né?". Foi uma pergunta dolorosa e me mostrou o tamanho da responsabilidade de uma mãe preta. Se uma mãe não-negra tem a responsabilidade de botar e criar um filho no mundo, a mãe preta tem cinco vezes mais. Porque, ela tem que mostrar para o seu filho onde ele deve andar. Ela precisa dizer para ele não se envolver em confusão. Ser uma mãe negra é um grande desafio e que não é leve. Mas, mesmo assim, busco deixar um legado de ancestralidade para elas de todo o percurso de resistência do nosso povo. E é lindo ver elas me acompanhando nos movimentos.

style="width: 203.115px; float: right; height: 304.859px;" data-filename="retriever">

Diário - Foi bom relembrar um pouco da sua trajetória, Isadora. Gostaria que deixasse uma mensagem para os leitores.

Isadora - Eu aprendi dentro do terreiro com Mãe Cantu (falecida em 2004), que "cantiga que menino canta, gente grande já cantou". Lembro-me de um ensinamento de Mãe Stella. Um mito africano. Na dança do orixá Oxóssi, ele anda com um cavalo. Em determinado momento, ele para e dá uma volta, olhando para trás. Por que um caçador olharia para trás? Às vezes, o caçador cansa. Às vezes, ele fica procurando motivos para seguir em frente. E quando ele para e olha para trás, ele enxerga toda a sua história, toda a ancestralidade dele, lembrando que é necessário continuar. Então, eu digo para todos os jovens e, principalmente, para as mulheres pretas, que não baixem a cabeça, porque a nossa ancestralidade não nos permite parar. Nós devemos continuar, porque podemos e merecemos.

style="width: 764.166px; height: 508.859px;" data-filename="retriever">

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

PLURAL: os textos de Suelen Aires Gonçalves e Silvana Maldaner Anterior

PLURAL: os textos de Suelen Aires Gonçalves e Silvana Maldaner

Mais de 143 vagas de emprego e estágio para esta quinta-feira Próximo

Mais de 143 vagas de emprego e estágio para esta quinta-feira

Geral